terça-feira, 7 de outubro de 2014

Mergulhando na história do Québec

A primeira coisa que questionei quando cheguei em Québec foi: "Como eles conseguiram conservar o francês nesta parte do Canadá? Como fazem para que a língua não morra?". Para responder a essas perguntas é preciso voltar mais de 500 anos de história. A partir do livro "Brève histoire du Québec" e de algumas aulas que tive sobre Cultura e Sociedade Quebequense posso tentar explicar essas questões.

As expedições para descobrirem novas terras do século XV, feitas por portugueses, ingleses e espanhóis, encorajaram os franceses a fazerem o mesmo. O então rei da França, François I, mandou o explorador, Jacques Cartier, procurar ilhas e países que tivessem ouro. Em 1534, Cartier chegou ao golfo Saint-Laurent, na região de Gaspé (lado Leste do Canadá). O explorador francês não encontrou nada de muito interessante nas terras descobertas, então o rei, que já tinha ouvido falar do sucesso dos vizinhos europeus nas conquistas de terras, enviou exploradores para a Flórida (nos Estados Unidos) e para o Brasil. Mesmo que eles não tenham visto o Canadá como um local de possíveis investimentos, alguns franceses continuaram vindo ao longo dos anos procurando por ouro. Foi quando descobriram um animal que seria importantíssimo para economia da França, o castor. Os franceses viram uma ótima oportunidade de investir no comércio de fourrures, que eram as peles dos animais usadas para roupas e chapéus. Última moda na Europa e necessários durante o inverno, os chapéus feitos de pele de castor movimentaram a economia e motivaram a colonização do Canadá.

A chegada dos franceses foi determinante para outro povo que habitava a região há mais de dez mil anos, os chamados autochtones (aborígenes), que fazem parte da primeira nação do país. Segundo historiadores, os aborígenes vieram pelo Estreito de Bering (ponto de terra entre a Sibéria e o Alasca) no período da glaciação. A primeira nação, que se mantinha da caça, pesca e agricultura, teve que aprender a conviver com os "intrusos". Muitos morreram após serem contaminados com vírus e bactérias que os europeus portavam e isso os deixava mais assustados ainda em relação ao franceses. É certo que após o começo da colonização tiveram muitos conflitos e batalhas, inclusive entre as próprias tribos indígenas. Hoje, os autochtones ainda existem por todo o Canadá, e os mais tradicionais mantêm a cultura de origem. Leis que proíbem a pesca e caça de certos tipos de animais, não se aplicam aos aborígenes, e isso, é claro, gera polêmica entre os canadenses. 

Em 1608 o também explorador francês, Samuel de Champlain, fundou a cidade de Québec (na língua dos autochtones Québec significa "onde os rios se estreitam"). A imigração para o Canadá não era muito atraente pelos europeus principalmente por causa do clima. O inverno no Quebec é mais rigoroso do que na França. Por isso, Cartier trouxe prisioneiros para colonizar as novas terras. Assim como na Austrália e no Brasil, os primeiros habitantes europeus na região, eram prisioneiros.

Em 1643 Paul Chomeday de Maisonneuve fundou a cidade de Montreal, que era chamada de Hochelaga (que significa "nós passamos o inverno aqui") pelos aborígenes. Em 1700, a França atingiu seu apogeu na América. O país dominava todo golfo Saint-Laurent e começou a tomar conta do estado da Louisiane, nos Estados Unidos. O problema é que em 1663 o Canadá tinha três mil habitantes, e os Estados Unidos, 80 mil. Por essa razão, o rei da França, Louis XIV (ele assumiu o trono em 1660), enviou mulheres órfãs e pobres para o Canadá com o objetivo de formar novas famílias. Essas moças ficaram conhecidas como Filles du Roy (filhas do rei). Na época, existia uma mulher para cada 14 homens no novo país. Com a chegadas das enviadas pelo rei, os homens tinham até 15 dias para achar uma esposa, caso contrário, perdiam o direito à caça.

Em 1702 foi feito o tratado denominado "A grande paz de Montreal" que foi assinado (em forma de desenho) pelos aborígenes e pelos franceses. Neste tratado estava esclarecido que os europeus detinham o controle do comércio da pele dos castores. Tudo ia bem até que em 1763 os ingleses dominaram o Canadá. A famosa batalha "La Conquête" (a conquista) foi iniciada pelos ingleses que queriam dominar todo continente norte-americano. Com 20 mil soldados contra 7 mil franceses, a Inglaterra conquistou o Canadá. Novamente, por causa do clima, da população e das leis francesas, o país não atraía a imigração dos britânicos. A população do Canadá foi obrigada a abandonar a língua francesa e a religião católica. A Coroa Britânica impôs a língua inglesa e a religião protestante. Após alguns combates e revoltas da população, em 1774 foi criada uma constituição que admitia que os franceses mantivessem a língua materna, a religião católica e as leis francesas.

Em 1791 foi criada uma lei que dividia o Canadá em dois países: Baixo Canadá (região do Quebec) e Alto Canada (região de Ontario). Dois países com diferentes etnias, línguas e religiões. Foi em 1840 que as duas regiões se uniram em um só país. A língua inglesa era a oficial, mas oito anos depois a Coroa Britânica reconheceu o francês como idioma dos quebequenses.

Somente em 1867 que o Canadá conseguiu a independência do Reino Unido. A partir daí, os francophone (pessoas que falam francês) começam a querer cada vez mais preservar a língua no Québec. Em 1960 aconteceu a Revolução Tranquila (evento decisivo para a história do Québec). O estado torna-se laico (Governo e Igreja agem separadamente), foi criado um Ministério da Saúde e da Educação, foram feitas reformas políticas profundas e a prática religiosa diminuiu. Nessa época surgiu o sentimento de souverainisme (desejo de tornar-se independente). Em 1980 e 1995 foram feitos dois referendos para a separação do Québec, do Canadá. No primeiro, 40% da população votou pela independência e 60%, não. No segundo (e último), 49,6% optaram pelo sim e 50,4%, pelo não. 

A independência do Québec é um assunto ainda muito discutido pelos canadenses e tem muitas particularidades para serem analisadas. Conto mais sobre essa polêmica em outro post! Espero que tenham apreciado um pouco da história do Canadá. 


Um comentário:

  1. Que legal Caca, tu podia dar aulas na Universidade ai no Canada, sabe tudo sobre Quebec, garanto que mais que os moradores dai, certo !!!

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